BatAnálise | Drive (2011)

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Batman
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Quando pensamos em contos de fadas, muitas vezes imaginamos histórias com um tom infantil e sem peso interior. Sem um real significado por trás da jornada de um cavaleiro em busca de uma princesa para acompanhá-lo no caminho mais árduo, estando ao seu lado em todo momento independentemente dos desafios. Melhor dizendo, o caminho de um homem a procura de um ideal puro de felicidade, que está enraizado na sua natureza. Mesmo nestas narrativas básicas que entretém o leitor e terminam com um final feliz, não há algum elemento presente que contribui para a compreensão da nossa verdadeira essência? Afinal, em qualquer história, por mais simples que seja, sempre há algo relevante a ser observado e compreendido, levando-nos a uma reflexão sobre nós mesmos e/ou do mundo a nossa volta.

Seja abordando o surgimento e a evolução maléfica de um vilão, mostrando a trajetória de um herói a fim de descobrir seu verdadeiro propósito, ou apresentando personagens simples por fora, mas complexos por dentro, que possuem muitos detalhes a serem contados. Em qualquer circunstância, terá pelo menos algum elemento que, no fundo, acenderá um sentimento especial em nós, nos entregando não apenas um mero conto, mas sim a nossa própria representação contada de uma forma diferente, e às vezes, de uma maneira mais complexa do que imaginamos.

Isso não vale somente a contos de fadas ou histórias com premissas clássicas, mas também a tudo o que consumimos, como um filme, uma música, um jogo e até mesmo lugares e pessoas que nos fazem recordar de memórias passadas e ressaltam nosso verdadeiro eu. A base disso está na forma como tudo é estabelecido e organizado, nos pequenos detalhes que, muitas vezes, não são compreendidos à primeira vista, mas que possuem um valor enorme que jamais será esquecido. Em alguns casos, apreciamos ainda mais após vermos de um ângulo completamente distinto, de maneira única, tornando-se memorável para nós mesmos.

Por isso, o filme "Drive" se transformou em um clássico contemporâneo, marcante não só pela sua real mensagem e a trilha sonora, mas principalmente pela maneira que o longa-metragem foi transmitido para os espectadores. Pois, podemos dizer que, palavras são poderosas se utilizadas da forma correta, proporcionando diálogos inteligentes e memoráveis. No entanto, imagens são ainda mais, já que dão mais liberdade para uma maior interpretação em geral, enriquecendo a imersão do começo ao fim e deixando a atmosfera mais profunda. Afinal, a intenção dos personagens e suas motivações são abertas, visto que não há muitos diálogos, deixando o ar com um tom mais natural e único. Do contrário, soa muito superficial, prejudicando a experiência como um todo, bem como toda a estrutura do filme. Isso colabora para a compreensão do mesmo, dando mais valor para a observação de cada pequeno detalhe. Um elemento muito bem trabalhado pelo diretor do longa, Nicolas Winding Refn. O melhor exemplo é na introdução do filme, onde percebemos que o protagonista é preparado e estudou todos os passos da fuga. Nesse momento, o personagem realmente pensou em todas as etapas do plano, pois, no final, utilizou o jogo de basquete que estava acontecendo próximo do local onde estavam para fugir disfarçado. Cada elemento visual e sonoro é utilizado da melhor forma possível, nada está lá só por estar. Todos esses detalhes têm um papel significativo na história e no próprio entendimento do Piloto Anônimo, desde o enquadramento das cenas até a fotografia em geral.

Além disso, o ponto-chave para a compreensão da real mensagem do longa é em relação ao escorpião na jaqueta do protagonista e como isso se conecta e ele mesmo. Porque, segundo a fábula, um escorpião pede a um sapo que o leve através de um rio. O sapo tem medo de ser picado durante a viagem, mas o escorpião argumenta que é de seu interesse que ele fique vivo, pois se picá-lo, os dois morrerão. O sapo concorda e começa a carregar o escorpião, mas, no meio do caminho, o escorpião acaba por ferroar o sapo, condenando ambos à morte. Quando perguntado pelo sapo por que havia lhe picado, o escorpião responde que esta é a sua natureza e nada poderia ser feito para mudar o destino. Como dito na introdução do texto, uma simples história nos leva a uma profunda reflexão sobre nós mesmos e do mundo a nossa volta. Esta fábula deixa claro que a natureza não pode ser mudada, apenas revelada. Certos comportamentos são inerentes e, muitas vezes, pessoas agem de acordo com a sua natureza interior, mesmo que isso as prejudique ou prejudique os outros. Por isso, a cena do elevador é tão importante e inesquecível, pois quando o personagem beija sua amada antes de revelar seu lado violento, nos mostra que, ocasionalmente, ele precisa ativar essa versão de anti-herói para uma causa maior. Um homem que faz a coisa certa por métodos bem errados. Utilizando a jaqueta com o escorpião apenas quando necessário, visto que é importante a existência de homens com uma quantidade certa de veneno para afastar os escorpiões maus da sociedade.

Não é um elemento solitário, jogado ao ar, porque, de fato, está conectado de muitas formas, tanto pela iluminação quanto pela trilha sonora do filme. Por mais que seja quase imperceptível, é notável que quando o protagonista está com a jaqueta, a iluminação é mais escura, combinando com o próprio gênero,  neo-noir. Possuindo uma atmosfera sombria, cenas noturnas, um comportamento moralmente ambíguo e uma música de fundo (Nightcall) que toca quando esse lado do personagem vem à tona: I'm gonna tell you something you don't want to hear / I'm gonna show you where it's dark, but have no fear /There's something inside you / It's hard to explain / They're talking about you boy /But you're still the same... Em contraste, o Piloto Anônimo vê em Irene uma esperança, uma oportunidade para assumir o papel de herói, de protetor, um ideal belo e puro de felicidade, com o sol sempre presente quando estão juntos, irradiando uma iluminação alegre e confiante, assim como sua música de fundo: A Real Hero: Real human being (being, being, being...) / And a real hero...

Ryan Gosling entregou, de fato, uma atuação impecável numa obra-prima com uma mensagem mais complexa do que imaginamos, contada de uma forma extraordinária.

Ps. Escrevi escutando a trilha sonora incrível e impactante do filme.


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